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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Saiu no Correio Brasiliense


Um jeito especial de conduzirHá mais de duas décadas no mesmo posto de trabalho, José Alves da Silva se mostra mais que um bom motorista do ônibus da linha Planaltina de Goiás-Plano Piloto. Para a maioria dos passageiros cotidianos, ele é referência em valores de solidariedade e alegria de viver.

Publicação: 15/10/2011 10:00 Atualização: 15/10/2011 08:56
José Alves da Silva, o Zezinho (Fotos: Edilson Rodrigues/CB/D.A Press)
José Alves da Silva, o Zezinho
O dia ainda parece noite quando o motorista de ônibus José Alves da Silva, o Zezinho, 48 anos, sai de casa, em Planaltina de Goiás, para trabalhar no Plano Piloto. Às 4h30, ele está de pé. Só descansa depois das 21h, quando chega em casa, após o expediente (que tem intervalo das 12h às 16h). Diariamente, o condutor é responsável pela vida de centenas de pessoas, que transporta cuidadosamente no ônibus da Linha 509 da Viação Planalto (Viplan).

Há 21 anos, Zezinho convive com o barulho do motor e com o estresse no trânsito. Há oito está na mesma empresa. Recebe menos de dois salários mínimos, com alguns benefícios. O dinheiro é insuficiente para pagar, por exemplo, a escola dos três filhos. Mesmo assim, ele não reclama. Dirige sempre com um sorriso largo e fácil estampado no rosto. A boa vontade é reflexo do carinho que ele recebe e dá de volta todos os dias.

Os passageiros admiram sua personalidade. Em 25 de agosto deste ano, aniversário de Zezinho, eles organizaram uma festa surpresa dentro do coletivo. A cobradora Maria Gonçalves, 47 anos, mais conhecida como Mara, avisou aos mais íntimos sobre a data especial. A turma organizou uma vaquinha para arrecadar dinheiro. Cada um contribuiu com o que podia. Não foi difícil conseguir a quantia necessária. Todos queriam homenagear o amigo. Uma passageira levou a toalha de pano para cobrir o motor, que serviria como mesa. A diarista Cláudia Cristina Marques, 42, preparou o bolo de abacaxi com cobertura de glacê. Outros compraram salgados e refrigerantes. Embarcaram às 6h, em Sobradinho, na primeira viagem.

Quando se aproximavam do Colorado, alguém puxou a corda que pede parada. O veículo estacionou e veio a surpresa. Rapidamente, os passageiros saltaram para perto do aniversariante e cantaram os parabéns. Além da tradicional música de aniversário, cantarolaram: “Ele é um bom companheiro, ninguém pode negar”. Zezinho se emocionou. “Não esperava uma homenagem tão bonita. Fiquei agradecido demais.”

Acabada a festa, era momento de seguir viagem. O tratamento especial tem justificativa. “Ele é um grande amigo de todos os passageiros, uma pessoa boa demais. Trata todo mundo bem. Sempre dá bom-dia, boa-tarde e boa-noite”, disse Cláudia. Não faltam elogios.

Confiança
A empregada doméstica Rosangela Alves Oliveira, 39 anos, é grata a Zezinho. “Durante toda a minha gravidez, ele se preocupava comigo. Parava mais perto do meu trabalho, pedia para as pessoas me darem lugar para sentar. Ele é uma pessoa muito educada e especial.” O filho de Rosangela, Guilherme, atualmente com 8 meses, desde os 5, anda de ônibus diariamente com a mãe. Virou o mascote da turma. “Confio nele para transportar a gente com segurança. Ele tem consideração. Se a gente tivesse 10 motoristas iguais a ele, seria bom demais”, afirmou Rosangela.

Os passageiros ressaltam o cuidado especial de Zezinho com os idosos e deficientes. “Ele tem algo difícil de encontrar na maioria, paciência”, observou a servidora pública Dilma Machado, 40 anos. O alfaiate Dagoberto Pereira Duarte, 73, sempre espera o coletivo conduzido por Zezinho passar. “Eu dou preferência para o ônibus dele, mesmo se precisar esperar um pouco mais na parada. Ele é bacana demais. Não arranca, espera a gente descer, fica de olho, no maior cuidado. A cobradora Mara também. É bom ser tratado com respeito e carinho”, relatou.

A auxiliar Josefa Lima, 57 anos, destaca as qualidades do amigo: “Quando alguém vem correndo para pegar o ônibus, ele espera. Tem calma e está sempre alegre, além de ser pontual”. Não falta quem queira falar sobre Zezinho. “A viagem fica menos cansativa quando o cobrador e o motorista são tranquilos e estão sempre com a cara boa”, avaliou a analista de suporte Carla Carolina Gonçalves, 25.

Admiração
Os colegas de trabalho também aprovam o jeito de Zezinho levar a vida. “Ele é pequenininho, mas tem um coração bem grande. É companheiro de todas as horas”, elogiou a cobradora Mara. A cada viagem, o condutor transporta até 100 passageiros. Conhece boa parte deles pelo nome. Muitos fazem questão de apertar a mão do motorista ao entrar no coletivo. Ele se sente lisonjeado.

Zezinho nasceu no Tocantins. Veio para Brasília aos 15 anos, acompanhado pelos pais, que eram agricultores. Antes de dirigir, trabalhou com limpeza, foi peão e muito mais. “Nunca tive preguiça. Fiz todo tipo de serviço honesto que apareceu”, lembrou. Ao completar 18 anos e tirar a Carteira Nacional de Habilitação, ele passou a dirigir tratores e caminhões. Pouco depois, procurou emprego como motorista de ônibus.

Há quase uma década, ele dirige o ônibus da mesma linha, que vai e volta de Planaltina ao Plano Piloto. “Gosto muito do meu trabalho e adoro viver. O serviço mantém a minha família, me dá tudo que tenho. Recebi treinamento para tratar bem os passageiros. Quem não se comporta assim é porque não quer, mas teve todas as instruções”, disse.

O trabalhador tem alguns segredos de felicidade. “A pessoa nunca deve levar os problemas de casa para o trabalho. Tem que ter respeito sempre, assim tudo fica melhor”, ensina. Depois da festa surpresa, Zezinho se diz ainda mais satisfeito. A vida atrás do volante, porém, não lhe permitiu realizar o maior sonho: ver os filhos na universidade. “Tenho três e queria formar pelo menos o mais novo, de 21 anos. Infelizmente, o dinheiro não deu”, comenta, com olhos marejados. Zezinho passa as mãos no rosto para espantar a tristeza, raramente demonstrada em público. Logo, recupera a alegria. Não tem tempo a perder com o que a vida ainda não tem para dar.

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